sábado, 3 de abril de 1993

Stress matutino

“Porra, porra, porra! É sempre a mesma coisa, quando uma pessoa se quer despachar aparece um empecilho.” O Silva estava furioso, e não era para menos, queria ir trabalhar e alguém lhe fizera o favor de impedir-lhe a saída do seu carro, estacionando outro à frente.
– É preciso não ter nenhum respeito pelas pessoas... meter aqui o carro aqui de qualquer maneira! Mas isto não fica assim! Hei-de fazer barulho até o gajo aparecer, nem que tenha de acordar meio mundo.
O Silva sentou-se ao volante do seu automóvel disposto a buzinar até quando for preciso. Se o responsável pela sua desgraça não aparecesse pelo menos teria uma grande audiência para se queixar.
Com este propósito na mente ia dar início ao concerto, quando viu um rapazola dirigindo-se na sua direcção de chave na mão. Afinal parecia que já não precisava de acordar meio-mundo. Levantou-se um pouco frustrado, mas depois animou-se pois ia descarregar a sua raiva em cima daquele filho-da-mãe. “Anda meu menino que vais ouvi-las todas juntas. Ai vais, vais.”
Mal o “filho-da-mãe” passou por ele o Silva fê-lo estacar perguntando-lhe num tom de voz que mais parecia um rugido:
– Aquele carro é seu?
– Aquele carro!!?
– Sim. Aquele carro! – “Ainda por cima faz-se de idiota!”
– Não, aquele carro não é meu.
– Não!!?
Não podia ser, era azar demais para um homem só. O Silva não aguentou mais, teve de desabafar:
– Já viu esta porcaria?
– ...
– Como um homem não há-de andar cheio de stress??! Se logo de manhã é sempre a mesma merda!
– ...
– Se uma pessoa vai de transportes públicos é aquilo que se sabe; apertetes, encontrões, e isso sem falar nas greves!...
– Se temos transporte próprio levamos com as bichas, com os condutores-de-fim-de-semana, os condutores-por-correspondência, e toda essa cambada de idiotas capazes das mais incríveis estupideces. Como esta coisa aqui! Cabe na cabeça de alguém estacionar o carro desta maneira!? Estas coisas põem-me doente!
– Também não é preciso ficar assim!
Finalmente o rapaz conseguiu falar, aproveitando uma pausa ligeiramente mais prolongada que o Silva fez, e continuou:
– Se é por causa deste carro, foi só três minutos, eu já ia tirá-lo.
E dizendo isto entrou para o carro e sentou-se ao volante. O Silva ficou atordoado de espanto, estavam a gozar com ele, só podia ser!
O rapaz pôs o carro em funcionamento e só então o Silva despertou do atordoamento:
– Então mas eu não lhe perguntei se o carro era seu??!
– Perguntou.– respondeu o outro calmamente.
– Mas você disse que não era!!
– Pois disse e é verdade – explicou pacientemente o rapaz - o carro é do meu pai.
– Mas??!!...
– O senhor perguntou se este carro era meu, não perguntou se eu tinha a chave!
E arrancou, deixando o Silva a pensar este era um daqueles dias em que não valia a pena uma pessoa se levantar da cama.