segunda-feira, 2 de abril de 2012

A mosca não fugia

Estava uma velha a descansar
quando apareceu uma mosca a chatear.
A velha sacudia, sacudia,
mas a mosca não fugia.

Pôs-se a velha a pensar:
Quem me poderá ajudar?
 Já sei! Vou à minha vaca perguntar.

Ainda à vaca não chegou,
quando um sapo no caminho se atravessou.
Fora daqui! Bicho nojento!
E a velha o enxotou.

Como te livras das moscas?
A velha à vaca perguntou.
Abano muito a minha cauda
e para não apanhar com ela as moscas afastam-se.
Mas eu não tenho cauda…
A velha se lamentou.
Então não te posso ajudar…

Queria a velha descansar
e a mosca a chatear.
A velha sacudia, sacudia,
mas a mosca não fugia.

Pôs-se a velha a pensar:
Quem me poderá ajudar?
 Já sei! Vou ao meu gato perguntar.

Ainda ao gato não chegou,
quando um sapo no caminho se atravessou.
Fora daqui! Bicho nojento!
E a velha o enxotou.

Como te livras das moscas?
A velha ao gato perguntou.
Sou muito rápido a caçar
e para não serem apanhadas as moscas afastam-se.
Mas eu não sou rápida…
Pôs-se a velha a lamentar.
Então não te posso ajudar…

Queria a velha descansar
e a mosca a chatear.
A velha sacudia, sacudia,
mas a mosca não fugia.

Pôs-se a velha a pensar:
Quem me poderá ajudar?
 Já sei! Vou à minha galinha perguntar.

Ainda à galinha não chegou,
quando um sapo no caminho se atravessou.
Fora daqui! Bicho nojento!
E a velha o enxotou.

Como te livras das moscas?
A velha à galinha perguntou.
Agito muito as minhas asas
e com o vento as moscas afastam-se.
Mas eu não tenho asas…
Pôs-se a velha a lamentar.
Então não te posso ajudar…

Queria a velha descansar
e a mosca a chatear.
A velha sacudia, sacudia,
mas a mosca não fugia.

Pôs-se a velha a pensar:
Quem me poderá ajudar?
 Já sei! Vou ao meu cão perguntar.

Ainda ao cão não chegou,
quando um sapo no caminho se atravessou.
Fora daqui! Bicho nojento!
E a velha o enxotou.

Como te livras das moscas?
A velha ao cão perguntou.
Ladro e rosno muito alto
e com o barulho as moscas afastam-se.
Mas eu não falo alto…
Pôs-se a velha a lamentar.
Então não te posso ajudar…

Queria a velha descansar
e a mosca a chatear.
A velha sacudia, sacudia,
mas a mosca não fugia.

Pôs-se a velha a pensar:
Quem me poderá ajudar?
 Já sei! Vou ao meu porco perguntar.

Ainda ao porco não chegou,
quando um sapo no caminho se atravessou.
Raio do bicho!
A velha se irritou.
Que fazes sempre atrás de mim?
Mas eu, atrás de ti, não estou!
O sapo retorquiu.
E zás! Com força a sua língua da boca saiu.
E páz! Em cheio a mosca apanhou.
E comendo a mosca se afastou.

Pôs-se a velha a pensar:
Porque não me havia eu de lembrar
que o sapo me poderia ajudar!?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ser professor


Ao abordarmos esta questão deveríamos separar a dimensão do “fazer” da do “ser”. Professor é um “fazer”, não um “ser”. É o que fazemos na atividade profissional e não quem somos.

Esta distinção é importante quando reconhecemos na relação pedagógica um fator decisivo na obtenção de aprendizagens significativas por parte dos alunos. Qualquer relação interpessoal dificilmente será significativa para ambas as partes se basear-se apenas nos papéis que cada um desempenha. Numa relação baseada no “fazer” o adulto é inquestionavelmente superior à criança e fará sentir isso à criança, ainda que inconscientemente.

Essa dimensão, do “fazer”, é necessária e deve ser dignificada, no entanto é apenas a dimensão humana visível, a dimensão da forma. Já na dimensão do “ser” não existem seres superiores ou inferiores.

A necessidade de amor, que todas as crianças apresentam, é a necessidade de se sentir reconhecido ao nível do “ser” não ao nível da forma. Se o adulto apenas dignificar a dimensão humana negligenciando o “ser”, a criança sentirá que a relação não é plena, falta-lhe algo absolutamente vital.

Uma relação pedagógica de qualidade necessita de integrar a dimensão do “ser”. Na sua atividade, enquanto professor, ao olhar, ouvir, ou ajudar as crianças, é necessário que o adulto esteja alerta, tranquilo, completamente presente, sem almejar nada para além desse momento, tal como ele é. Assim estará a criar espaço para o “ser”, e o seu desempenho será de qualidade pois as suas ações estarão em total sintonia com as necessidades do momento.

[texto inspirado na obra "Um Novo Mundo" de Eckhart Tolle]

sábado, 24 de setembro de 2011

Sou

Sei quem não sou.
Não sou quem posso pensar que sou,
sou aquele que pode pensar em quem sou.

sábado, 7 de maio de 2011

Contrários

contrários o são
apenas porque dizemos que o são

assim, medos sem ou com medos cem, tanto faz,
mas andemos...
de outro lado para o um
de volta para o começo,
amando os outros aos uns
como os peixes que sabem a mar...

é uma questão de provar
sem auto-consumo

quarta-feira, 5 de março de 2008

Não te ponhas a pau que isso é anti-higiénico


Estava eu no aconchego do meu lar quando me batem à porta. Fui ver. Lá estava ele, alto, seco, aquilo que nas sábias palavras do povo se chama “um pau de virar tripas” mas mais magro. Já tinha ouvido nas notícias mas não queria acreditar e, no entanto, ali estava ele, um inspector da ASAD (Autoridade para a Saúde Alimentar e Doméstica), a entrar por minha casa dentro.
- Bom dia, vou começar pela cozinha!
Assim, sem preliminares! E lá fomos nós para a cozinha. Entramos, ele olhou em redor.
- Hum! - disse ele.
- Hum? – perguntei eu.
- Hum. – respondeu-me ele, e sacou de um bloco e uma caneta e começou a gatafunhar com autoridade.
Ao fim duma eternidade, ou assim me pareceu, fechou o bloco e, do alto do seu poder (alto
mas magro!), lança-me com aquela voz de “até podia tramar-te mas como sou um gajo porreiro…”.
- Tem aqui irregularidades suficientes para ficar com a cozinha interdita uma semana, no
mínimo! ... Talheres?
Eu, que ainda ruminava “cozinha interdita uma semana”, demorei a reagir.
- Talheres?! – repeti.
- Sim, gaveta dos talheres! – esclareceu ele como se estivesse a falar para uma criança.
Apontei-a. Ele abriu-a e repreendeu-me imediatamente.
- Não sabe que as facas não podem ter cabo de pau?
- Não podem?! – admirei-me.
- Claro que não! – respondeu ele como quem diz “dah!”, e continuou – Têm de ser de plástico e de cores diferenciadas para cada utilização específica.
E, enquanto fazia turismo pelas minhas gavetas, elucidava-me com evidente prazer.
- Sim, sim! Cabo vermelho para carne, cabo azul para peixe, cabo verde para legumes… verde escuro, porque verde claro é para fruta, claro!
Olhou para mim como se estivesse à espera de me ver rir de uma boa piada, retribui-lhe com um
sorriso que mais parecia uma rosnadela e ele continuou:
- Faca com cabo amarelo para manteiga, com cabo violet…
Parou abruptamente, de falar e de se mexer, tinha chegado à gaveta onde estavam as colheres de pau!
- Você… uuuchiiii… cco… ‘lheres de pau!!??
Foi o princípio do fim! A inspecção ao resto da casa somou mais duas violações do código sanitário, uma do código dispensário e três do código balneário. Resultado: dois meses a viver no meu carro até a minha casa reunir as “condições de habitabilidade” exigidas pela ASAD.

[publicada originalmente no blogue Támali]

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

“Pronta para salvar o mundo? Não te esqueça da mala!”

E tu, pronto para ser salvo por uma top model sempre com aspecto deslumbrante, mesmo depois de apanhar pancada de criar bicho dos seus adversários? Entre isso e ser salvo por um tipo musculoso vestido de collants e com cuecas por cima, escolho a top model sem pensar duas vezes! E, na verdade, é cada vez mais provável sermos salvos por uma dessas heroínas que pelo tipo musculoso pois elas “andem” aí às pazadas e “serem” perigosas, ó, ó!
Independentemente da sua origem todas estas super-modelos (e aqui a palavra super tem o mesmo significado que em super-homem), têm em comum alguns super poderes, a saber: o poder do bom aspecto, o poder do congelamento do olhar e a super força.
O poder do bom aspecto, manifesta-se, como já aqui foi referido, no óptimo aspecto que estas heroínas sempre apresentam. Por mais perigosas que sejam as situações em que se envolvem raramente perdem os saltos altos e ficam sempre com aquele aspecto “até as nódoas negras me ficam bem”. O poder é tal que, por mais valente que seja a surra, os seus inimigos apenas lhe conseguem dar forte e bonito!
O poder do congelamento do olhar faz com que qualquer pessoa que se cruze com as super-modelos fica com o olhar congelado nelas. Estranhamente (ou não!) este poder é mais usado pelas super- modelos vilãs, sim também as há e, em geral, não é nada fácil distingui-las das outras. Para além do efeito referido este poder cria também, na população masculina, o enrijecimento numa parte específica do corpo do homem associada a uma inclinação involuntária em direcção à fonte de poder. Estamos a falar, como com certeza o prezado leitor já percebeu, do pescoço do homem.
Por fim a super força, todas estas personagens ostentam uma força bem superior àquela que aqueles belos corpinhos de barbie deixariam antever. É velas arriar alegremente nos seus adversários como se não houvesse amanhã, apesar dos volumes que o seu físico apresenta não estarem exactamente nos locais associados à força física. De facto, quando apreciamos o físico de uma Lara Croft ou uma Nariko ou mesmo uma inocente(?) Winx, o comentário que mais óbvio é mesmo “que belo par de bíceps”.

[publicada originalmente no blogue Támali]

sábado, 2 de setembro de 2000

Eu tinha uma vida

Eu tinha uma vida....
...e tudo mais!
Podia fazer tudo o que queria....
...e fazia!
Procurava o paraíso,
Mas as descidas à terra eram cada vez mais infernais.
Eu tinha uma vida....
Para ele era apenas mais uma que se desgraçara.
"ah!... Isso...isso era dantes, eu já larguei isso."
Ele fingiu acreditar.
...e eu, eu deveria ter aprendido a lição,
Mas não!
...faltava-me força de vontade.
E novamente...
Caí...
...deixei-me afundar,
Quando devia lutar!
Eu tinha vida,
Agora....
Agora tenho sida!
Vida!!! Sida!!! Vida!!! Sida!!!
Como podem ser tão semelhantes?!
Não é uma piada?
Não é de morrer?...
De morrer...
Ah! Ah! Ah! Ah!... Ah! Ah! Ah! Ah!...
De morrer, ah! Ah! Ah! Ah!...
ah! Ah!ah! Ah! Ah! De morrer, ah! Ah!

quarta-feira, 3 de junho de 1998

Educação

Na sala o casal tomava chá. No chão debruçado sobre algo, o filho brincava.Batem à porta, o casal entreolha-se com expressões de “quem será?”. Ele levanta-se e vai abrir a porta. É uma amiga.
ELE – Olha que ela é!?...Há tanto tempo! ‘Tás boa?
Cumprimentam-se.
VISITA – Bem, bem... então e vocês?
Ele leva a visita até ao sofá e a anfitriã levanta-se agarra nas mão da amiga e trocam beijinhos.
ELA – ‘Tás boa?
VISITA – E tu como estás?
Ela ainda agarrada às mão da visita afasta-a um pouco exclamando:
ELA – Meu Deus como estás linda!... Mas senta-te, senta-te.
Sentam-se e ele, que tinha estado com um olhar comovido a assistir à cena, senta-se na borda da cadeira e, pegando no bule, pergunta à visita:
ELE – Chá?
VISITA – Pois, é chá!
Responde-lhe a visita com um ar muito sério. Ele pestaneja e, encolhendo ligeiramente os ombros, poisa o bule na mesa. Pega seguidamente num pratinho de bolachas e pergunta, virando-se novamente para a visita:
ELE – Bolachas?
VISITA – É, é... são bolachas!!
Responde-lhe a visita já com um ar um pouco admirado. Ele faz uma cara de “o que é que se está a passar!?”, mas resigna-se e encosta-se ao sofá.
Entretanto a anfitriã, inclinando-se na direcção da visita, pergunta:
ELA – Então como vai o teu Manelito?
VISITA – Ah!... sabes, ele tem andado um pouco preguiçoso, então para ir à escola!? Nem queiras saber, faz birras, diz que não quer ir... enfim... é uma cá uma dor de cabeça!
ELA – Pois olha que nós com o nosso Joãozito, nunca temos esses problemas.
VISITA – Ah é !?... Então como fazem isso?
ELE – Isso!?
Interrompe o dono da casa com um ar muito satisfeito consigo próprio, e chegando-se à frente:
ELE – Sabes? Nós estudamos!...
E encostam-se de novo, continua:
ELE – E chegamos à conclusão que não vale a pena contrariar.
ELA – É verdade!
Agora é ela que interrompe muito entusiasmada:
ELA – Desde muito pequeno que ele está habituado a seguir o seu caminho. Nós nunca o pressionamos, e assim evitamos futuros traumas.
A visita acena a cabeça com admiração perante o que lhe parece conceitos muito avançados.:
VISITA – ... nunca tinha pensado!... realmente...
Entretanto ele dá uma olhadela ao relógio e, virando-se para o filho que continuava entretido não ligando a mínima ao que se passava à volta, pergunta:
ELE – Filhote, não está na hora de ires para a escola?
O filho não lhe responde, e o pai olha para a visita, que apenas agora parece dar pela presença do rapaz, com uma expressão de “tadinho está tão entretido!”, e voltando-se de novo para o filho:
ELE – Olha que está na hora de ires para a escola, Joãozito.
FILHO – Ah, não me apetece...
Responde-lhe o filho com voz de mimada e sem voltar a cabeça.
A mãe intervém, então, em tom apaziguador:
ELA – Pronto, pronto, ‘tá bom. Vais amanhã, ‘tá?...
FILHO – Então quer dizer que posso ir ter com os meus amiguinhos!?
Diz ele levantando-se em todo o seu tamanho de mancebo em idade de ir para a tropa.
A visita abre muito os olhos e a boca enquanto o casal, olha embevecido com o seu rebento, e a mãe diz:
ELA – Claro, mas tem cuidado!...
O rapaz sai da sala dizendo:
FILHO – Eu só vou ali beber umas “bejecas”.

sexta-feira, 15 de maio de 1998

A(con)chegada ao colo

em ti,
posso abandonar este meu corpo pesado.
em ti,
posso esconder esta minha alma aflita.
em ti,
posso ser outra vez o começo,
a chegada,
e, assim, permanecer
aconchegada...

sábado, 4 de dezembro de 1993

Era uma vez um paraíso

A brisa brincava por entre os ramos verdes das árvores, onde seres alados esvoaçavam enchendo o ar de colorido e melodias.
Em baixo um tapete verde salpicado pelo colorido de pequeninas flores emprestava ao ar um doce perfume, espalhado por uma brisa brincalhona. Este arco-íris perfumado era animado por uma comunidade de animais, que se abrigavam do calor da tarde na sombra amiga das árvores.
Então, como o pronuncio de uma desgraça, um rugido foi aumentando de volume até se tornar ensurdecedor. Eram os homens, com os seus monstros metálicos de garras afiadas e bocas ávidas.
O medo veio, o pânico instalou-se e toda a comunidade fugiu num turbilhão de cores. Só o verde ficou. O verde não podia fugir.
Os monstros escavadores começaram a trabalhar abrindo uma chaga no meio do verde. Em poucas horas o homem destruiu o que levou uma vida a formar-se.
Depois o homem foi embora, o rugido deixou de se ouvir e o silencio que ficou foi de luto.
O verde já não era verde, era cinzento do pó. O tapete mais que usado foi abusado e depois posto de lado. As árvores arrancadas apontavam as raízes expostas como dedos acusadores. A brisa já não brincava, sufocada pela nuvem de pó, andava às cegas pela ferida levantando ainda mais cinzento.
Nos dias seguintes os homens voltaram com camiões cheios de restos. Restos do consumismo da sociedade humana que vertidos para o buraco, depressa taparam a ferida como se de um penso se tratasse. Um penso infectado que rapidamente se tornou putrefacto.
No ar, onde agora só esvoaçava o zumbido irritante dos insectos, o cheiro nauseabundo abafava o perfume das escassas flores resistentes, que choravam pétalas até morrerem completamente.
Os animais não voltaram, procuravam outro lar, outro paraíso. Muitos morreriam, outros talvez conseguissem encontra-lo e aí ficariam. Até que tudo começasse de novo. Até que não restasse mais nenhum lar, mais nenhum paraíso. Ou então, até que os homens começassem a não pensar só em si, mas isso...