sexta-feira, 1 de maio de 1992

Viagem de rotina

A minha era apenas mais uma cara ensonada no meio de tantas outras. Mais ou menos alinhados esperávamos o autocarro. Ele chega e como formigas encaminhamo-nos para a porta. Começamos a entrar, o autocarro enche-se, e continuamos a entrar. É impressionante a quantidade de pessoas que podem entrar num autocarro já cheio!
Entrei na segunda vaga. É claro que lugares sentados havia aos montes, estavam é todos ocupados, até o corredor já estava! Fui avançando às desculpas, espremendo-me por entre os que já se sentiam bem onde estavam, até que deparei com um obstáculo intransponível: o corpanzil de um enorme passageiro com um bigode a condizer. Gorou-se assim a minha tentativa de chegar às traseiras do autocarro. Pois dizia-me a experiência que aí havia sempre mais espaço que à frente. Fiquei ali, entalado, e nem a pasta podia pousar.
Com um solavanco a viagem começou. Minutos decorridos e já começava o pára-arranca do costume. Entretive-me a assistir à tentativa de um bebé ensinar o pai a falar, pelo menos assim me pareceu, pois o homem repetia com extrema atenção tudo o que o pequerrucho dizia.
A pasta começava a cansar-me o braço, e como não dava para pousa-la decidi simplesmente larga-la. A pasta só desceu um bocadinho mas foi o suficiente para aliviar o braço. Nesse momento o autocarro parou para descerem passageiros, com o apertete nem todos os que queriam descer o conseguiram fazer. E quando o motorista fechou a porta e arrancou, os lesados ficaram ligeiramente aborrecidos:
– Hei! Que‚ isto!?
– Pare esta porra!
– Ó chefe, olhe a porta de trás!
– ’Tá cego ou quê?!
– Andam a dormir! Estes motoristas... é sempre a mesma coisa!
O motorista tocado por estes tão delicados pedidos parou e abriu a porta. Mas quando arrancou novamente fê-lo com tal ímpeto, que eu só tive tempo de agarrar na pasta, e fui projectado para trás de encontro ao Bigodes, o tal do corpanzil, que não deve ter achado muita graça ao ocorrido. De facto até me tentou matar, com o olhar. Mas ao fim de alguns minutos eu continuava ali, de pé, e ele acabou por desistir.
Estava a chegar ao meu destino e receava ter problemas com o Bigodes. Ele podia, como represália, impedir-me de sair. Felizmente ele saiu na mesma paragem que eu e até me ajudou pois aproveitei a passagem que ele ia abrindo até à porta.
Cá fora respirei de alívio. Acabou!