terça-feira, 1 de setembro de 1992

Com licença

– Dá-me licença, se "fachavor"?
Pediu o homem, com um enorme embrulho nos braços, que pelas caretas que fazia, devia ser pesado. O rapazola que, de phones nos ouvidos, lhe impedia a passagem não lhe respondeu. Parecia não ter ouvido, o que não seria para admirar, pois a música estava tão alta que se ouvia à distância, mesmo tendo ele os phones enfiados nas orelhas.
– Oiça, importa-se de me deixar passar?
A voz do homem, desta vez, saiu mais alta, mas o resultado foi o mesmo; nenhuma resposta.
– Queres sair da frente, ou quê??!
A paciência do homem esgotou e a irritação começou, mas de nada adiantou.
O homem já berrava:
– Ó seu cabrão! ‘tás a gozar comigo?!!
A delicadeza desapareceu, mas nem assim o moço lhe respondeu. Continuou encostado à ombreira da porta como se nada fosse com ele. Furioso, suando esforço e cólera, poisou o embrulho, deitou as manápulas aos fios dos phones, e com um sorriso de prazer antecipado: “Eu já te dou o arroz!”, puxou os fios com violência. O que aconteceu a seguir, os seus olhos não queriam acreditar; desmesuradamente abertos iam e vinham das suas mãos à cabeça do rapaz. O sorriso desaparecera dando lugar a um espanto escancarado. Largou os fios dos phones numa repulsa horrorizada e, dando meia volta, fugiu espavorido.
O rapaz encostado à ombreira, assim permaneceu. Os fios dos phones, pendentes do walkman preso à cintura, baloiçavam levemente e nas suas extremidades, quase roçando o chão, estavam as suas orelhas.
A música continuava, tão alta que se ouvia à distância, mesmo tendo ele as orelhas enfiadas nos phones.